quinta-feira, 24 de março de 2011

BRINCADEIRA E DESENVOLVIMENTO INFANTIL: UM OLHAR SOCIOCULTURAL CONSTRUTIVISTA

Acadêmicas: Agasiana Suelen Schmitz
Aline Stahnke
Karine Zapellini
Leidimara Berci
Valquíria Becker Cruz


BRINCADEIRA E DESENVOLVIMENTO INFANTIL: UM OLHAR SOCIOCULTURAL CONSTRUTIVISTA1


Norma Lucia Neris de Queiroz
Diva Albuquerque Maciel2
Angela Uchôa Branco
Universidade de Brasília

Resumo: Como e por que as crianças brincam? Qual o significado desta atividade em cada cultura? Estas questões da temática da brincadeira e sua relevância para a compreensão científica do desenvolvimento infantil são discutidas neste estudo. Analisa-se o conceito da atividade de brincar a partir de diferentes autores, privilegiando quem a vê como socialmente construída.

Em grande parte das sociedades contemporâneas, a infância é marcada pelo brincar, que faz parte de práticas culturais típicas, mesmo que esteja muito reduzida face à demanda do trabalho infantil que ainda se insere no cotidiano dos segmentos sociais de baixa renda. A brincadeira permite à criança vivenciar o lúdico e descobrir-se a si mesma, apreender a realidade, tornando-se capaz de desenvolver seu potencial criativo (Siaulys, 2005). Nesta perspectiva, as que brincam aprendem a significar o pensamento dos parceiros por meio da metacognição, típica dos processos simbólicos que promovem o desenvolvimento da cognição (Kishimoto, 2002) e de dimensões que integram a condição humana (Andrensen, 2005; Branco, 2005).
Para a maioria dos grupos sociais, a brincadeira é consagrada como atividade essencial ao desenvolvimento infantil. Historicamente, ela como lúdico sempre esteve presente na educação infantil, único nível de ensino que a escola deu passaporte livre, aberto à iniciativa, criatividade, inovação por parte dos seus protagonistas (Lucariello, 1995). Com o advento de pesquisas sobre o desenvolvimento humano, observou-se que o ato de brincar conquistou mais espaço, tanto no âmbito familiar, quanto no educacional; no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998), a brincadeira está colocada como um dos princípios fundamentais, defendida como um direito, uma forma particular de expressão, pensamento, interação e comunicação entre as crianças. Assim, a brincadeira é cada vez mais entendida como atividade que, além de promover o desenvolvimento global das crianças, incentiva a interação entre os pares, a resolução construtiva de conflitos, a formação de um cidadão crítico e reflexivo (Branco, 2005; DeVries, 2003; DeVries & Zan, 1998; Tobin, Wu & Davidson, 1989; Vygotsky, 1984, 1987).
Hoje, pode-se afirmar que já foi superado parte do equívoco, de que o conteúdo imaginário do brinquedo determinava a brincadeira da criança. Segundo Benjamin (1984),
“a criança quer puxar alguma coisa, torna-se cavalo, quer brincar com areia e torna-se padeiro, quer esconder-se, torna-se ladrão ou guarda e alguns instrumentos do brincar arcaico desprezam toda a máscara imaginária (na época, possivelmente vinculados a rituais): a bola, o arco, a roda de penas e o papagaio, autênticos brinquedos, tanto mais autênticos quanto menos o parecem ao adulto.” (pp. 76-77).
Para o autor, quando a criança brinca, além de conjugar materiais heterogêneos (pedra, areia, madeira e papel), ela faz construções sofisticadas da realidade e desenvolve seu potencial criativo, transforma a função dos objetos para atender seus desejos. Assim, um pedaço de madeira pode virar um cavalo; com areia, ela faz bolos, doces para sua festa de aniversário imaginária; e, ainda, cadeiras se transformam em trem, em que ela tem a função de conduto, imitando o adulto (Benjamin, 2002).
Conceito da Atividade de Brincar

“A brincadeira é uma atividade que a criança começa desde seu nascimento no âmbito familiar” (Kishimoto, 2002, p. 139) e continua com seus pares. Inicialmente, ela não tem objetivo educativo ou de aprendizagem pré-definido. A maioria dos autores afirma que ela é desenvolvida pela criança para seu prazer e recreação, mas também permite a ela interagir com pais, adultos e coetâneos, bem como explorar o meio ambiente.
Como a criança é um ser em desenvolvimento, sua brincadeira vai se estruturando com base no que é capaz de fazer em cada momento. Isto é, ela aos seis meses e aos três anos de idade tem possibilidades diferentes de expressão, comunicação e relacionamento com o ambiente sociocultural no qual se encontra inserida. Ao longo do desenvolvimento, portanto, as crianças vão construindo novas e diferentes competências, no contexto das práticas sociais, que irão lhes permitir compreender e atuar de forma mais ampla no mundo.
A brincadeira das crianças evolui mais nos seis primeiros anos de vida do que em qualquer outra fase do desenvolvimento humano e neste período, se estrutura de forma bem diferente de como a compreenderam teóricos interessados na temática (Brougère, 1998). A partir da brincadeira, a criança constrói sua experiência de se relacionar com o mundo de maneira ativa, vivencia experiências de tomadas de decisões. Em um jogo qualquer, ela pode optar por brincar ou não, o que é característica importante da brincadeira, pois oportuniza o desenvolvimento da autonomia, criatividade e responsabilidade quanto a suas próprias ações.
O termo cultura é entendido aqui a partir das formulações teóricas de Valsiner (2000), para quem a cultura não se refere apenas a um grupo de indivíduos que compartilham características semelhantes, mas deve ser compreendida como mediação semiótica, que integra o sistema psicológico individual e o universo social das crianças dela participantes. É no contexto da cultura que se dá a construção social, de significados, com base nas tradições, idéias e valores do grupo cultural que cria e recria padrões de participação, dando origem ao desenvolvimento de típicas categorias de pensamento e de recursos de expressão.
Fein (Spodek & Saracho, 1998) afirma que é muito “difícil definir a brincadeira, mas, em certo sentido, ela se auto-define” (p. 210). A preocupação em conceituar o que é a brincadeira não é apenas dos educadores, mas está na pauta de outros profissionais, dentre eles psicólogos, filósofos, historiadores e antropólogos.
No ‘Ciclo de Debates sobre o Brincar’1, Carvalho, Salles, Guimarães e Debortoli (2005), observaram a diversidade de discursos e concepções do ato de brincar. Examinando essa questão, Spodek e Saracho (1998) apontam que a dificuldade em se chegar a uma definição consensual sobre a brincadeira advém da falta de critérios para se classificar uma atividade como tal; assim, em alguns contextos ou momentos uma atividade pode ser considerada brincadeira, e deixar de sê-lo em outros, o que depende da relação que se estabelece com a situação, do significado que assume para quem brinca.
Vygotsky (1998), um dos representantes mais importantes da psicologia histórico-cultural, partiu do princípio que o sujeito se constitui nas relações com os outros, por meio de atividades caracteristicamente humanas, que são mediadas por ferramentas técnicas e semióticas. Nesta perspectiva, a brincadeira infantil assume uma posição privilegiada para a análise do processo de constituição do sujeito; rompendo com a visão tradicional de que ela é atividade natural de satisfação de instintos infantis, o autor apresenta o brincar como uma atividade em que, tanto os significados social e historicamente produzidos são construídos, quanto novos podem ali emergir. A brincadeira e o jogo de faz-de-conta seriam considerados como espaços de construção de conhecimentos pelas crianças, na medida em que os significados que ali transitam são apropriados por elas de forma específica.
Vygotsky (1998), quando discute em sua teoria a gênese e o desenvolvimento do psiquismo humano, destaca que o processo de significação é elaborado por meio da atividade em contextos sociais específicos; o que é interiorizado não é a ‘realidade em si mesma’ (conceito já ultrapassado na perspectiva socio-construcionista), mas o que esta significa tanto para os sujeitos em relação, quanto para cada um em particular. Este movimento de interiorização transformadora das significações não se dá de maneira passiva nem direta, pois o sujeito reelabora, imprimindo sentidos privados ao significado compartilhado na cultura. Nesse processo ele se apropria do signo em sua função de significação, observando seu duplo referencial semântico, um formado pelos sistemas construídos ao longo da história social e cultural dos povos, e o outro formado pela experiência pessoal e social, evocada em cada ação ou verbalização do sujeito.
Para Vygotsky (1998), a criança nasce em um meio cultural repleto de significações social e historicamente produzidas, definidas e codificadas, que são constantemente ressignificadas e apropriadas pelos sujeitos em relação, constituindo-se, assim, em motores do desenvolvimento. Neste sentido, o desenvolvimento humano para ele se distancia da forma como é entendido por outras teorias psicológicas, por ser visto como um processo cultural que ocorre necessariamente mediado por um outro social, no contexto da própria cultura, forjando-se os processos psicológicos superiores, sendo a psique humana, nesta perspectiva, essencialmente social.
Os processos psicológicos superiores para Vygotsky (1987) são constituídos
(...) pelos de domínio dos meios externos do desenvolvimento cultural e do pensamento: o idioma, a escrita, o cálculo, o desenho, bem como pelas funções psíquicas superiores especiais, aquelas não limitadas nem determinadas de nenhuma forma precisa e que têm sido denominadas pela psicologia tradicional com os nomes de atenção voluntária, memória lógica e formação de conceitos (p. 32).
O autor afirma, ainda, que o desenvolvimento humano é um processo dialético, marcado por etapas qualitativamente diferentes e determinadas pelas atividades mediadas. O homem, enquanto sujeito é capaz de transformar sua própria história e a da humanidade, uma vez que por seu intermédio muda o contexto social em que se insere, ao mesmo tempo em que é modificado.
Assim, o que caracteriza a atividade humana é o emprego de instrumentos, signos ou ferramentas, que lhe dão um caráter mediado. Entretanto, instrumentos e signos são coisas diferentes; os primeiros influenciam a ação humana sobre a atividade e são externamente orientados. Já os segundos não modificam em nada o objeto da atividade, mas se constituem em ferramenta interna dirigida ao controle do indivíduo, sendo orientados internamente.
Desta maneira, os objetos com os quais a criança se relaciona são significados em sua cultura e a relação estabelecida com eles se modifica à medida em que a ela se desenvolve. Em um primeiro momento esta relação é marcada pela predominância de sentidos convencionais, característicos da cultura em que está inserida; o objeto, de certa forma, diz para a criança como deve agir. Com o passar do tempo, de modo gradativo, a relação entre objeto significado e ação se altera, tendo a brincadeira um lugar de destaque nessa mudança.
A importância do brincar para o desenvolvimento infantil reside no fato de esta atividade contribuir para a mudança na relação da criança com os objetos, pois estes perdem sua força determinadora na brincadeira. “A criança vê um objeto, mas age de maneira diferente em relação ao que vê. Assim, é alcançada uma condição que começa a agir independentemente daquilo que vê.” (Vygotsky, 1998, p. 127).
Na brincadeira, a criança pode dar outros sentidos aos objetos e jogos, seja a partir de sua própria ação ou imaginação, seja na trama de relações que estabelece com os amigos com os quais produz novos sentidos e os compartilha (Cerisara, 2002).
A brincadeira é de fundamental importância para o desenvolvimento infantil na medida em que a criança pode transformar e produzir novos significados. Em situações dela bem pequena, bastante estimulada, é possível observar que rompe com a relação de subordinação ao objeto, atribuindo-lhe um novo significado, o que expressa seu caráter ativo, no curso de seu próprio desenvolvimento.
Para Vygotsky (1998), a criação de situações imaginárias na brincadeira surge da tensão entre o indivíduo e a sociedade e a brincadeira libera a criança das amarras da realidade imediata, dando-lhe oportunidade para controlar uma situação existente (Cerisara, 2002). As crianças usam objetos para representar coisas diferentes do que realmente são: pedrinhas de vários tamanhos podem ser alimentos diversos na brincadeira de casinha, pedaços de madeira de tamanhos variados podem representar diferentes veículos na estrada. Na brincadeira, os significados e as ações relacionadas aos objetos convencionalmente podem ser libertados. As crianças utilizam processos de pensamento de ordem superior como no jogo de faz-de-conta, que assume um papel central no desenvolvimento da aquisição da linguagem e das habilidades de solução de problemas por elas (Meira, 2003).
Vygotsky (1998) definiu a zona de desenvolvimento proximal (ZPD) como:
(...) a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com os companheiros mais capazes (p. 97).
A brincadeira é, assim, a realização das tendências que não podem ser imediatamente satisfeitas. Esses elementos da situação imaginária constituirão parte da atmosfera emocional do próprio brinquedo. Nesse sentido, a brincadeira representa o funcionamento da criança na zona proximal e portanto, promove o desenvolvimento infantil (Vygotsky, 1998). Entretanto, Vygotsky chama a atenção quando afirma que definir “o brinquedo como uma atividade que dá prazer à criança, é incorreto” (p. 105), porque para ele, muitas atividades dão à criança prazeres mais intensos que a brincadeira: por exemplo, uma chupeta para um bebê mesmo que isso não leve à saciação da fome. Ele destaca, ainda, que há brincadeiras em que a própria atividade não é tão agradável, como as que só agradam às crianças (entre cinco e seis anos de idade) se elas considerarem o resultado interessante. Os jogos esportivos podem ser outro exemplo (não apenas os esportes atléticos, mas os que têm como regra, ganhadores e perdedores). Estes são freqüentemente acompanhados de desprazer para a criança que não alcança o resultado favorável, isto é, aquela que perde a partida.
Assim, o prazer não pode ser visto como uma característica definidora da brincadeira (Cerisara, 2002). Entretanto, não se deve ignorá-lo, pois ela preenche necessidades da criança e cria incentivos para colocá-la em ação, que é de fundamental importância, uma vez que contribui para mudanças nos níveis do desenvolvimento humano. Para Cerisara (2002), todo avanço nestes está relacionado a alterações acentuadas nas motivações, tendências e incentivos. Torna-se, então, necessário lembrar que os interesses mudam em função do desenvolvimento e da maturidade do sujeito, pois, o que atrai um bebê não o faz a uma criança um pouco mais velha. Portanto, a maturidade das necessidades é um tópico importante na teoria da Psicologia histórico-cultural.
Vygotsky (1998) afirma que não é possível ignorar que a criança satisfaz algumas necessidades por meio da atividade do brincar. As pequenas tendem a satisfazer seus desejos imediatamente, e o intervalo entre desejar e realizar, de fato, é bem curto. Já as crianças entre dois e seis anos de idade são capazes de inúmeros desejos, e muitos não podem ser realizados naquele momento, mas posteriormente por meio de brincadeiras. Vygotsky (1998) diz que,
(...) se as necessidades não realizáveis imediatamente, não se desenvolvessem durante os anos escolares, não existiriam os brinquedos, uma vez que eles parecem ser inventados justamente quando as crianças começam experimentar tendências irrealizáveis (p. 106).
Com isto, no espaço da sala de aula, a criança procura satisfazer seus desejos não realizáveis imediatamente envolvendo-se em um mundo imaginário, onde os não realizáveis podem ser concretizados; a este mundo é que se chama da brincadeira. O autor concebe a imaginação como:
(...) um processo psicológico novo para a criança em desenvolvimento; representa uma forma especificamente humana de atividade consciente, não está presente na consciência de crianças muito pequenas e está totalmente ausente em animais. Como todas as funções da consciência, ela surge originariamente da ação e na interação com o outro (p. 106).
Há, portanto, uma crença de senso comum que o brincar da criança é imaginação em ação. Vygotsky (1998) considera que isto deveria ser invertido, uma vez que a imaginação, nas crianças em idade da educação infantil e nos adolescentes, é o brinquedo sem ação. Desta forma, fica claro que o prazer que estas vivenciam é controlado por motivações diferentes das experimentadas por um bebê ao chupar sua chupeta.
Para o autor, nem todos os desejos não satisfeitos dão origem à brincadeira; quando uma criança quer andar de velocípede e isto não pode ser imediatamente concretizado, ela não vai para seu quarto e faz de conta que está andando de velocípede para satisfazer seu desejo, pois não tem consciência das motivações e emoções que dão origem à brincadeira. Nessa perspectiva, Vygotsky (1998) diz que o brinquedo difere muito do trabalho e de outras formas de atividade, uma vez que nele a criança cria uma situação imaginária, algo reconhecido pelos estudiosos, e que portanto não é novo. Ele afirma que a imaginação é característica definidora da brincadeira e não um atributo de subcategorias específicas do brinquedo.
Cerisara (2002) coloca que toda situação imaginária que envolve o brinquedo já pressupõe regras, ocultas ou não e que o contrário é verdadeiro, ou seja, todo jogo tem, explicitamente ou não, uma situação imaginária envolvida. Nesse sentido, o faz-de-conta é em especial significativo para o desenvolvimento infantil, por estar relacionado à imaginação.
Em um esforço para compreender a importância da atividade do brincar para o desenvolvimento infantil, numa perspectiva co-construtivista, pode-se considerar que a criança, desde seu nascimento, se integra em um mundo de significados construídos historicamente. É por meio da interação com seus pares que ela se envolve em processos de negociação, dentre os quais, os de significação e re-significação de si mesma, dos objetos, dos eventos e de situações, construindo e reconstruindo ativamente novos significados.
Valsiner (1988) acrescenta que para analisar o desenvolvimento infantil deve-se considerar os ambientes em que ocorre a atividade da brincadeira, que são fisicamente estruturados, segundo os significados culturais das pessoas responsáveis pela criança. Valsiner (2000) aponta, ainda, que ela ocupa um papel ativo na organização de suas atividades, construindo uma versão pessoal dos eventos sociais que lhe são transmitidos pelos membros de sua cultura. Esta construção é elaborada pelos processos de interação social, canalização e trocas, fazendo uso de recursos e instrumentos semióticos co-construídos, cujos significados estão presentes na “cultura coletiva”. Por último, o autor afirma que é preciso considerar que a criança expressa a compreensão do mundo por meio da ação, e que cada classe social tem um sistema designificação cultural próprio, relacionado às práticas típicas de seu grupo.
Pedrosa (1996), em consonância com Valsiner, afirma que a criança desde o seu nascimento interage com um mundo de significados construídos historicamente; na relação com seus parceiros sociais se envolve em processos de significação de si, dos outros e dos acontecimentos de seu contexto cultural, construindo e reconstruindo ativamente significados.
Nessa perspectiva, destaca-se a importância de interpretar a brincadeira levando em consideração os contextos sociais específicos em que ela ocorre, não sendo possível separá-la artificialmente deles; e, para compreendê-la, deve-se relacionar o valor e o lugar que lhe são determinados pela cultura específica, porque só levando esta em consideração é que será possível derivar o significado do brincar infantil em cada uma.
Assim, a percepção infantil sobre a atividade de brincar é marcada pela influência cultural, que se torna o elemento de mediação que integra o sistema de funções psicológicas desenvolvidas pelo indivíduo na organização histórica de seu grupo social, por meio dos processos de interação, canalização e trocas, utilizando recursos e instrumentos semióticos co-construídos de uma geração mais velha, com os quais a criança entra em contato.
A cultura, na concepção de Valsiner (2000), refere-se à organização estrutural de normas sociais, valores, regras de conduta e sistemas de significados compartilhados pelas pessoas que pertencem a certo grupo com uma história de convivência e relações de pertencimento. Para ele, a cultura tem duas faces: a) como entidade coletiva (significados compartilhados); b) como entidade pessoal (significados pessoais). A primeira é aprendida pela criança no contexto de suas experiências em diferentes tipos de ambientes. Especialmente os pais e profissionais responsáveis pelos cuidados e educação (escola, creches), devem procurar organizar o ambiente de forma que este seja brincável, isto é, explorável (Dantas, 2002), e que incentive o brincar.
É impossível, porém, a criança fazer a brincadeira em um âmbito apenas relacionado à livre fantasia; mesmo quando não imita os instrumentos dos adultos, sempre parte de significados culturalmente construídos, pois é deles que ela recebe seus primeiros brinquedos, embora tenha certa liberdade para aceitar ou recusar sugestões, muitos (bola, bonecas, carrinhos) são, de certa forma, impostos como objetos de valor, e daí, graças à força de sua imaginação, são transformados em brinquedos admirados e maravilhosos (Benjamin, 2002).
As crenças dos adultos sobre a brincadeira infantil são geradas em seus sistemas de significado cultural. Neste sentido, Valsiner (1988) destaca que a criança, como ser ativo, no processo ‘viver a brincadeira’, vai além da cultura de seus pais e professores, uma vez que reconstrói as experiências adquiridas nos espaços familiares, escolares e comunitários. Ela, assim, cria, para suas brincadeiras, funções e cenários novos para as sugestões sociais, oferecidas por seu grupo; assim, ela externaliza sua subjetividade sobre os eventos sociais e, ao mesmo tempo, reconstrói o significado social da brincadeira.
A subjetividade da criança vai se formando nas interações que estabelece com seus parceiros nos contextos cotidianos. Valsiner (1989) acrescenta que o mundo adulto, dependendo de seus valores culturais, oferece à criança uma variedade de sugestões e modos de interação semioticamente marcados pelos modelos sexuais, muitas vezes estereotipados como masculino, feminino ou indiferenciado. Esta é uma das sugestões sociais que levam a criança a brincadeiras marcadas pelo gênero, de acordo com a cultura coletiva, o que frequentemente ocorre naqueles em que o menino só pode brincar de carrinho, e menina, de casinha de boneca. As famílias canalizam as ações, as percepções e representações da criança na direção de assumir um papel social aprovado de acordo com suas crenças e valores.
Para Packer (1994) brincar é uma atividade prática, “na qual a criança constrói e transforma seu mundo, conjuntamente, renegociando e redefinindo a realidade” (p. 273); “uma construção da realidade, a produção de um mundo e a transformação do tempo e do lugar em que ele pode acontecer” (p. 271). A participação da criança nesta atividade “requer um senso de realidade compartilhado do que é verdadeiro ou falso, certo ou errado” (p.271).
Nas afirmações de Valsiner (1998, 2000) e de Pedrosa (1996), a criança é um sujeito ativo da co-construção cultural, o que garante que a cultura de sua geração ultrapasse a dos adultos por ela responsáveis. Nesta perspectiva, torna-se necessário olhar a brincadeira para além do conceito da atividade de brincar, e examinar o faz-de-conta, que tem despertado especial interesse de teóricos, pesquisadores e profissionais que atuam com a educação infantil, lembrando a importância dada por Bateson (1972) quando se refere aos processos de metacomu-nicação, por meio dos quais as crianças se comunicam entre si, indicando se uma interação deve ser interpretada como “luta” - fisionomia séria, sem sorriso, ou “brincadeira”- sorriso, gargalhadas, gritinhos de alegria.

os, como por exemplo, professores preocupados em desenvolver a brincadeira em sala de aula, objetivando atitudes de cooperação entre os alunos, mas direcionando a atividade para a competição. No estudo de Palmieri (2003), os professores confundem cooperação e competição, e geralmente não percebem estes equívocos, acreditando que realizam um trabalho de grande qualidade para a formação dos alunos e se estes não correspondem às suas expectativas, apontam a eles como incapazes ou rotulam sua família como problemática. Nesse caso, o professor não está conseguindo fazer uma reflexão crítica do seu próprio trabalho.
Os princípios norteadores da política educacional congelados no papel não provocarão mudanças no contexto educacional. Mas, a administração pública deve proporcionar uma formação continuada aos professores; diante de situações de insegurança, isto é, de ministrar novos conteúdos e realizar propostas educativas que exigem conhecimentos diferentes dos que os profissionais acreditam, a tendência dos educadores é desprezá-las, muitas vezes fazendo críticas infundadas, apesar de reconheceram a importância dos novos conteúdos para o processo de melhoria da qualidade de ensino. É preciso que o professor reconheça a importância do princípio da brincadeira para o desenvolvimento infantil, estabelecido no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, como uma conquista e efetivação dos direitos da criança integrada à modalidade de educação infantil.


OBSERVAÇÃO: Este é o resuno do artigo. O artigo completo está disponivel em PDF no site www.scielo.br.


REFERÊNCIA

http://www.scielo.br/pdf/paideia/v16n34/v16n34a05.pdf

Um comentário:

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