Texto feito a partir de um estudo dirigido de: FRANCO, Raquel Rodrigues. A Fundamentação Jurídica do Direito de Brincar. Capítulo 5 – O Direito de Brincar. 2008. (Mímeo)
O entendimento das concepções de criança e infância tem um caráter histórico de superação de uma concepção de mundo fundamentada no pressuposto de que a criança é sempre a mesma em qualquer tempo e espaço. Tais concepções em uma perspectiva histórica demandam compreendê-las como discursos produzidos nas relações sociais de produção que mostraram as diversas formas de ver a criança e produzir a consciência da particularidade infantil. Esse conceito de infância nem sempre existiu no que diz respeito às políticas educacionais, embora a criança e a infância já estivessem demarcadas, sobretudo nos manuais da pedagogia.
No Brasil, com o marco da constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, sendo que a infância como tempo social, e a criança como sujeito de direitos alcançam maior visibilidade no cenário social e educacional. Nesse contexto, a criança deixa de ser considerada como um estado de menoridade e passa a ser tratada em sua especificidade, em sua condição de ser criança, como um sujeito de direito, que precisa de uma atenção privilegiada por parte da família, da sociedade e do estado.
A ampliação das normas jurídicas com o intuito de regular as relações entre pais e filhos é atualmente uma das formas de ingerência do poder do Estado na educação das crianças, pois está assume um caráter público relevante para a formação do cidadão. A Constituição Federal de 88, em seu artigo 227 elenca os direitos fundamentais da criança: o direito à dignidade, à educação, à saúde, ao lazer, à alimentação, à profissionalização, à cultura, ao respeito, à vida, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Estes são deveres a ser respeitados e efetivados conjuntamente pela família, pela sociedade e pelo Estado de forma compartilhada. (FRANCO, p. 141, 2008)
Estes direitos atribuídos à criança já são um grande avanço em relação ao reconhecimento da criança como cidadã. Aos poucos estes direitos vêm sendo concretizados, porém se pararmos para refletir sobre a infância brasileira veremos que as desigualdades ainda prevalecem.
Em um país marcado por tantas diferenças, o equilíbrio entre a preocupação com a igualdade e a preocupação com o respeito às diferenças nem sempre é fácil de alcançar. O desigual acesso á renda e aos programas sociais esta marcado por esses diversos pertencimentos de classes, de etnia e de gênero, heranças históricas e culturais, que também se expressam no acesso à Educação Infantil e na qualidade dos programas oferecidos. Assim, no contexto brasileiro, discutir a qualidade da educação na perspectiva do respeito à diversidade implica necessariamente enfrentar e encontrar caminhos para superar as desigualdades no acesso a programas de boa qualidade, que respeitem os direitos básicos das crianças e de suas famílias, seja qual for a sua origem ou condição social, sem esquecer que, entre esses direitos básicos, se inclui o direito ao respeito às suas diversas identidades culturais, étnicas e de gênero. (Brasil, 2006, p. 23)
Sabemos que esta é a realidade que hoje enfrentamos na educação brasileira, que faz com que os direitos fundamentais da criança sejam amplamente reconhecidos, entretanto isto não significa que estamos alcançando a sua plena efetivação por parte das instituições sociais que têm o dever de aplicá-los nas situações cotidianas da vida infantil.
Como ressalta Franco (p. 142, 2008), podemos notar que a infância como lugar de direitos suscita amplos campos de discussão diante de uma realidade que é marcada por uma história de exclusão, desigualdade e a inoperância de seus direitos.
Hoje um dos grandes desafios da educação infantil, do ensino fundamental e dos profissionais que neles atuam é conseguir compreender, conhecer e reconhecer o jeito particular das crianças serem e estarem no mundo.
A escola, como instituição social, deve ser um meio pelo qual os direitos da criança ganhem maior incentivo e efetivação. Para que, de fato, isto aconteça faz-se necessário uma transformação da escola, no sentido de tornar concretas as ações que irão efetivar estes direitos.
“Enfim, ela é um espaço a favor da condição da criança-cidadã e o educador deve ser considerado como um agente competente e promotor desses direitos”. (FRANCO, p. 144, 2008)
Pensando nesta condição, faz-se necessário que se tornem essenciais duas ações, por parte da escola e dos educadores: repensar e promover. Estas devem ser ações constantes no contexto educacional, pois se procuramos pela efetivação dos direitos da criança, faz-se necessário que os contextos sejam constantemente repensados nas necessidades presentes, para que possam promover as ações necessárias para atender a criança-cidadã, para compreender melhor, que a criança possui uma natureza própria que a caracteriza como ser que pensa e sente o mundo de um jeito particular. Ela se esforça para compreender o mundo em que vive e o faz através das brincadeiras, das linguagens e das interações que desde cedo ela estabelece com as pessoas e com o meio em que vive, através de suas manifestações culturais próprias.
A interação social em situações diversas é uma das estratégias mais importantes do professor para a promoção de aprendizagens pelas crianças. Assim, cabe ao professor propiciar situações de conversa, brincadeiras ou de aprendizagens orientadas que garantam a troca entre as crianças, de forma a que possam comunicar-se e expressar-se, demonstrando seus modos de agir, de pensar e de sentir, em um ambiente acolhedor e que propicie a confiança e a auto-estima. A existência de um ambiente acolhedor, porém, não significa eliminar os conflitos, disputas e divergências presentes nas interações sociais, mas pressupõe que o professor forneça elementos afetivos e de linguagem para que as crianças aprendam a conviver, buscando as soluções mais adequadas, para as situações com as quais se defrontam diariamente. As capacidades de interação, porém, são também desenvolvidas quando as crianças podem ficar sozinhas, quando elaboram suas descobertas e sentimentos e constroem um sentido de propriedade para as ações e pensamentos já compartilhados com outras crianças e com adultos, o que vai potencializar novas interações. Nas situações de troca, podem desenvolver os conhecimentos e recursos de que dispõe, confrontando-os e reformulando-os. (Brasil, 1998, p. 31)
A criança, como já foi mencionado, deve ser considerada em sua particularidade, portanto deve ser considerada um sujeito de direitos e com liberdades. Pensando nesta condição, um dos principais direitos, que encontra seu fundamento dentro do ordenamento jurídico e que hoje tem um amplo campo de discussão é o direito ao brincar.
O que resulta disso é o entendimento do reconhecimento da infância que abarca o processo de descoberta de si e dos outros concedendo ao brincar e aos jogos uma condição indispensável para que ela usufrua de sua liberdade, em termos de agilidade, faz-de-conta e de imaginação. Pelo fato de se reconhecer a criança como sujeito de direitos e de liberdades, destina-se a ela o reconhecimento de todas as suas manifestações primordiais como o próprio brincar e, por outro lado, sinaliza a conjugação entre os seus direitos e a responsabilidade educativa dos adultos para garantir a liberdade neste período de desenvolvimento humano. (FRANCO, p. 146, 2008)
As brincadeiras possibilitam as crianças compreenderem e realizar atividades do dia a dia em determinado tempo histórico e cultural.
O brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da identidade e da autonomia da criança, quando utilizam a brincadeira do faz de conta as crianças enriquecem sua identidade, porque podem experimentar formas de ser e de pensar, ampliando suas concepções sobre as coisas e pessoas ao desempenhar vários papéis sociais ou personagens. (Brasil, 1998).
A criança constrói seu conhecimento a partir de brincadeiras que leva a realidade para o seu mundo da fantasia. Transforma suas incertezas em algo que proporciona segurança e prazer, pois vai construindo seu conhecimento sem limitações.
É através do ato de brincar que os sinais, os objetos e os espaços valem e significam outra coisa daquilo que aparentam ser. Ao brincar as crianças recriam e repensam os acontecimentos que lhes deram origem, sabendo que estão brincando. A brincadeira ocorre por meio da articulação entre a imaginação e a imitação da realidade. Toda a brincadeira é uma imitação transformada, no plano das emoções e das idéias, de uma realidade anteriormente vivenciada. (BRASIL, 1998)
O brincar é essencial a criança, pois é um dos elementos formadores de sua personalidade. O brincar, hoje, é considerado uma ação própria da infância e um dos fundamentos do princípio da dignidade da criança.
O direito ao brincar está estabelecido na Constituição de 1998 e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), onde há artigos fazendo menção a este direito. Até mesmo o Ministério da Educação e da Cultura (MEC), traz a brincadeira como um dos eixos fundamentais exigidos para a Educação Infantil. E ainda se ressalta que a brincadeira deve ter três desdobramentos:
- Brincar com participação do adulto;
- Brincadeira com objetivo do adulto;
- Brincadeira auto-organizada pela criança, livre e carregada de intencionalidade da criança.
Brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da identidade e da autonomia. O fato de a criança, desde muito cedo, poder se comunicar por meio de gestos, sons e mais tarde representar determinado papel na brincadeira faz com que ela desenvolva sua imaginação. Nas brincadeiras as crianças podem desenvolver algumas capacidades importantes, tais como a atenção, a imitação, a memória, a imaginação. Amadurecem também algumas capacidades de socialização, por meio da interação e da utilização e experimentação de regras e papéis sociais. (Brasil, 1998, p. 22)
A liberdade faz com que a criança seja autora das escolhas que lhes interessam, fortalecendo a construção da sua autonomia. (Franco, 2008). No entanto, esta liberdade deve contar com o estímulo e o apoio do adulto, pois limitando-a este adulto estará vetando as possibilidades de a criança se desenvolver integralmente. Muitas vezes a limitação imposta pelo adulto acontece porque ele mesmo não está preparado para conviver com o processo de construção da autonomia da criança.
“A liberdade que as crianças experimentam ao brincar permite-lhe expressar a sua sinceridade e a não–submissão às possíveis formas opressoras do mundo adulto”. (FRANCO, p. 153, 2008)
É natural a criança o brincar. Mesmo que esta não esteja em espaços lúdicos as crianças brincam reinventando e rompendo com a limitações do ambiente e do adulto. Atualmente, a sociedade nos dá a ideia de que espaços que não tenham parques, brinquedos, são perigosos, lugares de risco para as crianças. Esta concepção faz com que os adultos acabem restringindo as crianças a brincarem em lugares fechados, ficando trancadas em suas salas e quartos, em frente a computadores, vídeo games, televisões, diminuindo suas interações. Mas do contrário também se faz verdade, pois quando podem brincar os espaços são shoppings e condomínios que estão sempre sujeitos a regras. (SEREDIUK; RAMADAN; GOBBO apud FRANCO, 2008)
A partir do estudo do texto, percebemos que todos reconhecem que a criança tem o direito de brincar, porém o que se põe em discussão é se ela tem o direito de fazer isso em contextos escolares.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) a criança é criança até os doze anos incompletos, por este motivo não devemos atribuir o brincar apenas como fundamento para a educação infantil, mas estender este direito para o ensino fundamental.
“Pensa-se que […] na educação infantil temos crianças e no ensino fundamental temos alunos! Ora, temos – ou precisamos ter - crianças, sempre”. (KRAMER apud FRANCO, p. 168, 2008)
A ocupação da criança deve ser o brincar. Assegurar o atendimento as necessidades da criança em um espaço educativo, significa que ela precisa aprender e brincar, ou seja, ela precisa ser vista como criança e não apenas como estudante. Neste sentido a escola e os educadores devem organizar a sua proposta pedagógica para que considere a singularidade das ações da infância e o direito que a criança tem de brincar.
REFERÊNCIAS
FRANCO, Raquel Rodrigues. A Fundamentação Jurídica do Direito de Brincar. Capítulo 5 – O Direito de Brincar. 2008. (Mímeo)
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, volume 1: Introdução; volume 2: Formação pessoal; volume 3: Conhecimento de mundo. Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de educação Básica. Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil. v.1 Educação Infantil. v.2 Ensino Fundamental. V.3 Título. Brasília – DF, 2006.
Postado por:
Karine Zapellini
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